sábado, março 14, 2009

PostHeaderIcon Inclusão social


Blogagem sugerida por Ester.



No outro Blog do Beagle contei alguns momentos vividos numa entidade beneficente, aqui em São Paulo.


Talvez tenha contado minha incrível experiência com a cegueira. Ai Jesus !!! ... o povo prefere dizer deficiência visual...


Prefiro dizer cegueira porque sou deficiente visual mas não cega. Sou portadora de alta miopia e essa deficiência não me impede de dirigir, de ler e estudar e não foi obstáculo para eu cursar e obter dois bacharelados por universidades diferentes. Também não me impediu de exercer minha profissão e de me casar.


Assim, a expressão "deficiência visual" não me agrada e prefiro o termo cru que para mim tem conteúdo certo. Preciso esclarecer que o cego que nada vê é raro. De forma geral e em graus variados o cego vê sombras e vultos. Pelo fato de ele conseguir divisar sombras é que o termo cego foi colocado de lado e adotado o "deficiente visual".


Essa discussão a nada leva, mas esclarecer não custa.


Minha experiência decorreu de um sonho que tive enquanto dirigia uma entidade beneficente que, àquela época estava com 80 empregados, 230 alunos na escola de primeiro grau, 150 crianças na creche e 20 cegos no departamento especial que deveria educá-los e integrá-los à sociedade.


Os cegos não eram integrados aos demais componentes da entidade, muito embora, o espaço físico fosse um só. A bem da verdade, a entidade era composta de departamentos estanques e que não se comunicavam. Ninguém via os cegos sendo treinados no pátio da escola. As crianças da creche não tinham contato com as crianças da escola e assim por diante.


Sonhei em transformar tudo aquilo num lugar uno e coeso. Sonhei em ver os cegos transitando pelo pátio ao mesmo tempo que as crianças da creche cantavam suas cantilenas e as crianças da escola utilizavam a quadra de esportes nos exercícios da ginástica.


Sonhei em ter crianças cegas na creche e na escola e integrá-las na sociedade desde jovens. Sonhei em integrar os cegos adultos à sociedade e ao mercado de trabalho. A entidade cuidava só de cegos adultos que chegaram a essa condição por acidentes, diabetes, doenças congênitas e por aí afora. Geralmente, a entidade cuidava daquele que ficou cego já adulto.


Ficar cego já adulto é razão de outro post... As dificuldades e necessidades deles são espantosos. Falta de tudo para que esses adultos possam continuar suas vidas, desde treinamento, livros escritos ou falados, máquinas de escrever, computadores a preços decentes e por aí afora.


Muitas etapas precisariam ser vencidas e uma delas, a que me marcou profundamente foi me sentir cega.


Sob encomenda, os técnicos da entidade deram uma pincelada no que é a escrita Braille e o que ela significa para os cegos. Mostraram como funciona a bengala longa e retrátil e vendaram nossos olhos para o exercício final.


Os olhos vendados e a escuridão parcial me trouxeram falta de equilíbrio e enrijessimento dos músculos do tronco. Por alguns instantes eu não sabia onde estava, mas consegui recuperar a noção de espaço. Uma psicopedagoga me guiou. Eu agarrei no seu cotovelo e saimos andando pelo patio, escadarias, corredores, salões, cozinhas da entidade.


Aos poucos os sons e as claridades tornaram-se importantes para a localização. O barulho de uma colher colocada sobre o mármore da pia deu a pista de onde estávamos. O vazio de parede, repentino, nos indicou a presença das escadas e assim por diante. No transcurso do exercício eu folguei minhas garras de medo e apenas toquei o cotovelo de minha guia.


Nem todos participaram desse treinamento. Existem resistências pessoais, medos e traumas que devem ser respeitados. Para mim, foi a libertação pois, o conhecimento me enriqueceu.


Contudo, ficou um sonho não realizado, porque iniciei um projeto e não tive oportunidade de completar o trabalho de integrar todos os departamentos.


Departamentos unidos e coesos, poderiamos passar a trabalhar a comunidade em que a entidade estava inserida, com a construção de calçadas adaptadas aos cegos e conscientização dos vizinhos sobre a importância de respeitar os espaços públicos para os deficientes, cegos ou cadeirantes ou qualquer outro que detenha necessidades especiais.


Também não pude nem chegar perto da profissionalização dos cegos, mas isso, é para outro post.


Quando eu ando aqui pelo meu bairro com meu cachorro eu observo a falta de respeito das pessoas para com os espaços públicos por onde poderá passar um cego e se machucar ou se perder em virtude dos obstáculos colocados com displicência em locais impróprios.


Muitas vezes eu socorri cegos sendo destratados ou debochados pela crueldade dos ignorantes, no centro de São Paulo. Muitas vezes eu os guiei até os locais de destino e aprendi coisas da vida diária que nenhum treinamento pode ensinar naqueles momentos de fraterna intimidade, já que eles pegavam no meu cotovelo para serem guiados.


Posso escrever sobre esse tema muitas e muitas coisas, mas o que quero dizer, no fundo, é que, todos nós deveríamos ter treinamento para deficiência. Acredito que após esse treinamento mudaríamos nosso comportamento e incluiríamos o deficiente em nossa vida sem preconceito.


Todos nós estamos sujeitos a nos tornarmos deficiente e portadores de necessidades especiais, mas, certamente, ninguém pensa nisso. Nenhum de nós está isento ou imune a um acidente, ou a doença que nos coloque noutra condição de sobrevida.


Bjkª. Elza

11 comentários:

Ana disse...

É que a gente tem mania de fingir que só acontece com os outros...

Belo post! Valeu pela reflexão e por saber mais um pouco sobre vc!

Anny disse...

Elza:
Você viu no programa de Ana Maria Braga, uma moça com uma doença que faz ficar cada vez menos com possibilidades de enxergar?
E ela se maquiou. Muito bom.
Nem vejo o programa dela mas o desta sexta estava muito bom.

Beijos,
Anny.

Blog do Beagle disse...

Ana, nós tb não pensamos na finitude da vida. Agimos como se fossemos eternos. Gostaria de saber o porquê! Bjkª. Elza

Anny, não assisti ao programa da AMB, não. Minha Mãe teve uma empregada doméstica com baixíssima capacidade de enxergar. Foi treinada para trabalhar em casa. Bjkª. Elza

Ester disse...

Elza,

que coisa maravilhosa esse seu post! Que sensibilidade, amiga! Fiquei impressionada com sua experiência,

muito boa sua participação, parabéns!


Depois passa no meu blog, tem selo de agradecimento pela sua participação na blogagem coletiva,


grande abraço!

Ester disse...

Elza,

que coisa maravilhosa esse seu post! Que sensibilidade, amiga! Fiquei impressionada com sua experiência,

muito boa sua participação, parabéns!


Depois passa no meu blog, tem selo de agradecimento pela sua participação na blogagem coletiva,


grande abraço!

Mirian Mondon disse...

Elza parabens pela magnifica postagem, de conteudo tao necessario.

Gostaria imensamente que os participantes da Blogagem Coletiva pudessem ler seu texto.
Parabens duas vezes pelo texto e por postar quando foi possivel.

Sua historia me fez lembrar de duas situacoes na minha vida.
Uma em Brasilia, que presenciei adolescentes dando direçao errada para um cego. Essa cena me chocou imensamente. Disse umas palavras para os ... e fui socorrer o moço que estava indo na direçao errada.

Outra situaçao foi alguns anos atras quando morei na França e tinha uma amiga que era cega. Fiquei muito impressionada ao descobrir que Marie Laure morava sozinha, ela nos recebia em casa sozinha.Ela tinha um vida totalmente independente!

Minha surpresa foi imensa, foi com espanto que vi a diferença entre a consideraçao com que a sociedade francesa trata as necessidades de seus cidadaos e a indiferença do nosso querido Brasil.

Relatos como o seu sao fundamentais para a concientizaçao.

Parabens e abraço!

Mirian do Café com Poesia

Blog do Beagle disse...

Ester, existem tantas coisas que precisam se ditas e repetidas para que a população acredite na possibilidade de integração do deficiente ... Podemos fazer uma blogagem só para cadeirantes, só para cegos, só para os acidentados e ainda assim, assunto não acabaria. Obrigada pela visita e. mais uma vez, me desculpe a falta de respeito para com a data da postagem. Elza

Blog do Beagle disse...

Miriam, trabalhar com cegos e lhes proporcionar a liberdade de ação é uma riqueza. Faz tempo que estou ensaiando apra gravar um livro para a audioteca, mas ainda me dedicarei a essa atividade. Obrigada pela visita. Elza

Ana disse...

Porque é assustador, desconhecido, não desejado e inevitável!!

Quer mais motivos?? heheheheh!

lula eurico disse...

Maravilha de depoimento. Faz-se necessária e urgente a solidariedade e o altruísmo em nossa sociedade.
Abraço fraterno.

Blog do Beagle disse...

Ana, vc tem razão. Sintetizou muito bem nossos motivos. Bjkª. Elza

Eurico, obrigada pela participação. Venha sempre. Bjkª. Elza

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Elza Maria sempre em busca de respostas. Paradoxal, curiosa, inteligente, crítica, observadora, sentimental, habilidosa, amorosa, sensível, disciplinada e um montão de outras coisas. Ser humano normal, comum, mediano, mas que gosta de escrever e está no quarto blog.

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